Fome e desespero estão impulsionando grupos indígenas a deixarem a Venezuela

Por UNHCR – 07 de agosto de 2018

Diante da escasses de medicamentos e alimentos no país, indígenas das etnias Warao e Wayuu estão abandonando suas terras para buscarem refúgio no Brasil e na Colômbia.

 

Quando a filha mais nova do líder da comunidade indígena, Eligio Tejerina, adoeceu com pneumonia, sua condição foi agravada pela escassez severa que assola a Venezuela.

“Como estávamos sem assistência médica, ela não pôde receber o tratamento adequado”, diz o líder da comunidade Warao, de 33 anos. “Minha filha de sete meses morreu.”

Seus cinco filhos sobreviventes também estavam enfraquecidos e angustiados pela fome. Não conseguindo mais encontrar comida no mercado local, sua única opção era partir.

“Decidimos vir para o Brasil porque nossos filhos estavam passando fome. Eles costumavam chorar de fome. Eles estavam tendo apenas uma refeição por dia, à noite. Apenas uma pequena porção.

“Decidimos vir para o Brasil porque nossos filhos estavam passando fome. Eles costumavam chorar de fome.”

A escassez generalizada de alimentos e medicamentos, a inflação altíssima, a agitação política e a violência estão fazendo com que centenas de milhares de venezuelanos abandonem sua terra natal e procurem refúgio no exterior.

À medida que a situação piora no país, um número crescente de indígenas, como Tejerina e sua família, estão entre os que percorrem as fronteiras do país em busca de assistência humanitária e proteção nos vizinhos Brasil e Colômbia.

Os Warao, segundo maior grupo indígena da Venezuela, já estavam em péssimo estado onde vivem, onde uma epidemia de HIV assolou comunidades tradicionais no delta do Orinoco. Dezenas de crianças Warao também morreram de sarampo.

Centenas de membros da tribo viajaram para o sul da fronteira para o Brasil nos últimos meses. Mais de 750 indígenas venezuelanos vivem agora em redes e barracas no refúgio Pintolandia, em Boa Vista, entre eles o artesão Baudilio Centeno, de 36 anos, natural de Tamacuro.

“Nós nos encontramos em uma situação de privação total na Venezuela”, diz Centeno. Incapaz de encontrar comida no mercado com frequência, ele trouxe sua família de oito pessoas para o Brasil, onde ele tenta sobreviver fazendo cestas e vendendo latas de alumínio para reciclar a R$ 3 reais (US $ 0,81) por quilo.

A situação da comunidade também é vivenciada pelo grupo indígena mais numeroso da Venezuela, os Wayúu, com 270.000 pessoas, cujas terras tradicionais ficam na fronteira com a Colômbia. Conforme as condições pioram na Venezuela, muitos chegam desidratados, desnutridos e apenas com as roupas que vestem, com relatos de condições próximas à fome. Outros descrevem clínicas médicas sem energia na Venezuela e serviços de ônibus escolar afetados pela escassez, fazendo com que seus filhos percam aula.

“Nós lutamos para encontrar transporte para que minha filha pudesse ir para a escola”, diz Kary Gomez, 55 anos, que está entre os Wayúu que foram para o departamento de La Guajira, na Colômbia.

“Eles têm dificuldades para acessar serviços básicos devido à falta de documentação.”

Além dos Warao e Wayúu, a ACNUR, Agência de Refugiados da ONU, tem conhecimento de pelo menos dois outros grupos, os Bari e Yukpa, que também tem procurado assistência urgente no exterior, onde enfrentam desafios adicionais porque alguns não falam outra língua senão a própria.

“Obrigados a deixar a Venezuela, os Wayúu, Warao, Barí e os Yukpa, entre outros, têm dificuldades para acessar os serviços básicos devido à falta de documentação”, disse Johanna Reina, assistente sênior de proteção da ACNUR na Colômbia.

“Eles enfrentam desafios na perda de identidade, incluindo a língua nativa, e uma dramática deterioração de suas estruturas organizacionais”, acrescentou ela.

A maioria dos que abandonam a Venezuela para o Brasil e Colômbia precisa de assistência urgente em relação à documentação, abrigo, alimentação e assistência médica, e a ACNUR está trabalhando com os respectivos governos e organizações parceiras para atender a essas necessidades.

No início desta semana, um juiz federal no Estado de Roraima no Brasil suspendeu a admissão de venezuelanos no país e fechou a fronteira brevemente, embora a decisão tenha sido anulada pela Suprema Corte do país na noite da segunda-feira.

Uma equipe da ACNUR permaneceu na fronteira e continuou monitorando a situação durante o breve fechamento. Eles relataram que cerca de 210 venezuelanos não foram capazes de finalizar os procedimentos de imigração, mas não foram deportados. Nenhum retorno ocorreu.

Por meio de seu escritório local em Riohacha, capital do departamento La Guajira da Colômbia, a ACNUR também está trabalhando de perto com as autoridades locais e parceiros para oferecer educação às crianças Wayúu. Na escola de Maimajasay, cerca de 200 crianças de Wayúu encontram um ambiente de aprendizagem seguro que nutre e encoraja as tradições indígenas, com muitas aulas ensinadas na sua língua materna, Wayúunaiki.

Esforços semelhantes foram feitos no Brasil, onde crianças Warao recebem aulas básicas em seu idioma no abrigo em Boa Vista.

“Ainda não sabemos o que acontecerá na Venezuela. O que importa é que estamos indo bem aqui.”

“Costumamos nos reunir para contar histórias e contos tradicionais”, diz Tejerino.

Existem pelo menos 26 grupos indígenas na Venezuela. Como a situação continua a se desenrolar, mais assistência é necessária para ajudar aqueles que foram expulsos de suas terras, que não vêem perspectiva de retorno em breve.

“Ainda não sabemos o que acontecerá na Venezuela. O que importa é que estamos indo bem aqui”, diz Centeno, que não sabe ao certo se e quando sua família poderá voltar para casa. “Nossos filhos podem comer e nos sentimos seguros.”

Traduzido do original: Hunger, despair drive indigenous groups to leave Venezuela.

Fonte: http://www.unhcr.org/news/stories/2018/8/5b6055e14/hunger-despair-drive-indigenous-groups-leave-venezuela.html

Acessado em: 08/08/2018